Maria




Carioca da gema, com 11 anos escolhida para subir no coreto e, sem ler nem gaguejar, homenagear com um discurso inflamado o presidente do Estado do Rio de Janeiro, Raul Veiga. Aplaudida, sai notícia até no Jornal do Brasil. Com a doença do pulmão do pai, muda-se para Barbacena.

Nestor, o primeiro namorado, goleiro do Olimpia. Mas foi com Djalma que Maria casou e, com um conto de réis, fez todo o enxoval. A firma Dolabella mandou Djalma lá para Molevade e com ele lá foi Maria. Mocinha bonita de cabelos e olhos de jabuticaba. A casinha de pau-a-pique. Luz só de lampião.

Voltou para Barbacena para ter a primeira filha e ficou lá até acabar a revolução. Passou por Lavras, Belo Horizonte. Mais dois filhos nasceram. Um aborto e mais um filho. Vinho do Porto e marmelada para fortificar. Partem para Foz do Iguaçu. 24 horas de trem. Em Porto Mendes, São Paulo, pegam o vapor argentino Cruz de Malta. Foram 8 dias de viagem. Ficaram ali quase um ano e meio. Para Maria foi o purgatório. Naquela época, Foz era horrível, não tinha asfalto, 11 horas e a luz já apagava.

Pôs os filhos mais velhos no grupo. Os guarda-pós e chapeuzinhos brancos voltavam todo dia sujos de barro. Djalma trabalhava no armazém de mantimentos e também nas construções. Fez o Cassino e o Hotel do Saltos. Mulherengo como ele só. No Carnaval, Maria não aguentou: vestida de preto, saiu de madrugada atrás dele com a lanterna na mão. Ao atravessar a fronteira, apagou para que os soldados não a vissem. Pegou Djalma no flagra! Com a lanterna fez nascer um enorme galo na cabeça dele.

De Foz, foi para Ponta Grossa. A Limusine quebrou em plena mata virgem. Nada por perto, só jaguatirica. Maria com medo, alguns filhos no colo e outros nas mãos. Em Laranjeiras do Sul conseguira carona com um caminhão. Chovia muito e nõ tinha comida. As crianças choravam. Chegaram a Ponta Grossa 5 dias depois.
Maria também passou por Pelotas, Ventania e Monte Alegre, onde morou numa casa de pensionista e fez comida pra muito arigó. Mais um parto para Maria. Chovia dentro da casa, na cama molhada e cheia de sangue. 20 dias depois do parto, Maria partia para Curitiba.

Chegaram no último dia de Carnaval, 1948, na casa do Seminário. O bairro deserto não tinha luz, só ratos mortos pelo chão. E tiveram que dormir todos ali porque as camas não haviam chegado. Djalma comprou móveis novos e bonitos, mas Maria detestava a fumaça que o fogão de tijolos fazia. Djalma vendia explosivos, teve 3 caminhões. Confiou na palavra do patrão, um vigarista, e ficou sem nada. Mas ele tinha Maria e ela só tinha um vestido para sair.

Djalma entrou na Guerra Rêgo, a vida melhorou para Maria. Fez enxoval das meninas, mudou-se para a Santa Quitéria e ali viveu até ficar velhinha. Maria com seus filhos, com seu netos. Mulher sofrida e vivida, um coração de criança. Maria sempre com um sorriso nos lábios. A vida era tudo que Maria queria. Afinal ela era apenas Maria.






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